1. Considerações gerais sobre a (pré-)insolvência de pessoas singulares
A entrada em vigor, em 2004, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), marcou a introdução, no direito português, de duas fórmulas específicas destinadas à insolvência de pessoas singulares – por um lado, o plano de pagamentos, destinado a pessoas singulares não empresárias, ou titulares de pequenas empresas (artigos 249.º e ss. do CIRE) e, por outro, a liquidação com exoneração do passivo restante, acessível a todas as pessoas singulares (artigos 235.º e ss. do CIRE). Apesar de apresentadas como alternativas, o seu alcance e efeitos trataram de demonstrar que se destinavam a diferentes tipos de insolventes.
Enquanto o plano de pagamentos opera positivamente em relação a devedores com rendimentos periódicos, que pretendem manter os seus bens e iniciem preventivamente o processo de insolvência (socorrendo-se da noção de insolvência iminente), de forma a potenciar um ambiente favorável à negociação com os respetivos credores, a exoneração do passivo restante está pensada para situações nas quais o devedor não possui quaisquer bens ou, caso deles disponha, esteja disposto a liquidá-los. Por outro lado, o plano de pagamentos, ao contrário da exoneração do passivo restante, não exige a boa-fé do devedor. Todavia, na prática, a insuficiência da insolvência preventiva conduziu a uma esmagadora utilização da exoneração do passivo restante, mesmo por devedores que poderiam e deveriam ter sido conduzidos para a renegociação de créditos.